Sunday, April 8, 2007

A cigarra que não sabia cantar


O pôr-do-sol na vila Canta Galo era de tirar o folêgo. E as crianças da vila sabiam disso. João era o que mais apreciava, tanto que apelidou esse acontecimento diário de "a dança do sol".

Era final da primavera e além do espetáculo celestial havia também a cantoria das cigarras todos os dia ao entardecer. Festa de graça para meninos e meninas.

O ônibus escolar os trazia de volta para a vila no meio da tarde. Tudo sincronizado para que nenhuma criança perdesse a dança do sol e a sinfônia das cigarras. Só dava tempo de chegar, dizer oi para a mãe e deixar a mochila no sofá. Somente isso e já saim correndo para o campo.

Ali ficavam brincando, observando o formigueiro, os grilos saltitantes e as tímidas joaninhas. Algumas crianças sempre traziam um vidro de maionese vazio para catar as cigarras aposentadas e exibí-las em casa.

Naquela tarde João e seus amigos encontraram uma cigarra viva entre a folhagem. A pequena cigarra não parecia estar ferida, mas também não emitia nenhum som, não o famoso som esperado nessa época quente do ano.



Uma das criaças se ofereceu para levar a cigarra para casa porque a mãe era professora de biologia. Outra disse para largar a cigarra no gramado já que ela não cantava. Entretanto, João e a maioria aceitou que a cigarra fosse examinada pela bióloga.

Ninguém dormiu direito naquela noite. Nem pais, nem filhos. Do lado de fora as cigarras cantando, do lado de dentro as crianças murmurando, imaginando. Sem dúvida uma noite longa.

No dia seguinte todos estavam na porta da casa do amigo cuja mãe era bióloga. Todos, inclusive o motorista do ônibus que estava aflito pois as crianças iam chegar atrasadas na aula.

E então, aparece a mãe com a cigarra em uma caixa de sapato com a tampa cheia de furinhos. Primeiro, a mãe pede que o motorista avise a escola que as crianças iam chegar para a segunda aula. Depois, ela acompanha as crianças até o campo.


Essa é uma cigarra muito rara. Ela não sabe cantar, nasceu assim. Existem muitas espécies de cigarras. Algumas são grandes, outras são pequenas. Muitas cigarras têm períodos diferentes de amadurecimento e cada uma emite um som característico.

A cigarra que vocês encontraram é muito especial. E vocês fizeram muito bem em me mostrá-la. Não existe nada nessa terra que seja igual, assim como o pôr-do-sol, a tonalidade do céu, o formato das nuvens... Nós mesmos somos diferentes.

Agora vamos libertar a nossa cigarra antes que vocês cheguem atrasados demais.


No final do dia as crianças de reuniram, como sempre, no campo. Entretanto, ao invés da correria e barulho elas escutaram atentamente a cantoria das cigarras enquanto o sol desaparecia no horizonte. E quando a sinfônia das cigarras terminou e o silêncio tomou conta do momento eles puderam sentir a presença da cigarra que não sabia cantar.

Friday, April 6, 2007

Histórias para boi não dormir

Ilustrações de Carlos Kantek

Ana era uma criança muito sabida. Ela morava na fazenda Sete Estrelas com os seus pais, os seus avós e muitos animais.

Como todos na fazenda, Ana acordava com o galo e as galinhas para ajudar o seu pai no pasto, enquanto a mãe e a avó cuidavam do jardim e da cozinha. O avô, que era marceneiro construía cercas, casas para os bichos e muitos brinquedos para a sua neta.

Em uma tarde ensolarada, Ana pediu ao pai, sem mais nem menos, para ficar com o gado no pasto. O pai, que nunca a havia deixado sozinha, pensou e pensou e após alguns minutos de indecisão decidiu deixá-la ficar porque sabia que a filha era uma menina responsável.


Naquela tarde, Ana percebeu que a maior parte das vacas e bois cochilou por três horas. Apesar de criança, Ana sabia que um cochilo bovino que durasse mais de uma hora, não era um bom sinal e nem um cochilo! Aflita, correu até a sede e chamou pelo pai, pela mãe, e por quem mais quisesse e pudesse ouvir.

Quem veio ao seu encontro foi a sua mãe. Juntas elas correram para o pasto. No caminho, Ana, atrapalhada, atropelou as palavras e a mãe, que não conseguiu entender nadinha do que a filha falava. No pasto, mãe e filha preocupadas tentavam acordar os animais com gentileza, dizendo: "Vento, vento, que bate no seu rosto. Sol quente que aquece o seu corpo. Levanta vaca e levanta boi, que a hora da soneca já se foi."

Enquanto os animais despertavam do cochilo, a mãe contou para Ana a história dos bovinos acometidos pela tristeza do final do verão, das terras do seu bisavô. Ana escutou a história com muita atenção. Ela queria aprender com os seus antepassados o que fazer para salvar essas vacas e bois da tristeza.


Então a mãe explicou que os bovinos do seu bisavô se recuperaram com alguns minutos diários de histórias populares, contos e lendas, e também histórias inventadas, assim, sem pé nem cabeça. As famosas histórias para boi não dormir. Boi e vaca, nesse caso. Ana, entusiasmada, prontificou-se a contar histórias todos os dias para os animais do pasto.

A melhora dos bichos chamou a atenção de todos da família e Ana logo se tornou conhecida como a contadora de histórias da redondeza. Ana aprendeu que os animais não estavam tristes somente pela chegada do inverno, e sim pela solidão e falta de calor humano.

Ana compreendeu também que a tristeza é um sentimento natural que faz parte da vida dos homens e dos animais e que uma boa companhia e boas histórias podem ajudar a tristeza a abrir espaço para a alegria.