Monday, June 11, 2007

Do telefone contemplar

"Alô, papai? Mamãe brigou comigo", disse Beatriz.

"Está tudo bem filha, a sua mãe devia estar cansada. Fizeram felicidades?", perguntou o pai.

"Já fizemos, mas eu fiz um desenho. Dá para ver?", pergunta ansiosa a menina.

"Infelizmente não. Fazemos assim, você me mostra quando eu voltar do trabalho, certo?", propõe o pai.

"Mas olha, estou mostrando por um dos buraquinhos. Claro que dá para ver, papai!", insiste Bea.

"Muito mal, vejo muito mal... Pode me contar o que desenhou?", pede o pai.

"O papel é branco, mas como estava embaixo da caixa de tinta ficou cheio de marquinhas, igual ao vestido de bolinha da Ana na festa junina. Lembra? E então, eu desenhei uma mão pequenininha e pintei de rosa, da cor da flor do jardim da vovó. Mas, você não conta pra ela que eu perdi a flor no caminho, tá bom? Tem uma outra mão, grande, que aperta a mão rosa. E aperta tão forte que quase dá um grito. Fiz um céu, papai. Um céu tão azul, um azul tão bonito que dá vontade de ficar só olhando. Por que que dizem céu de brigadeiro? Mamãe desenhou uma casinha para mim. Na janela fiz nós três e pintei bem assim, com a mão benevolente. Que-que é essa palavra, papai? Achei bonita. Você me explica quando chegar em casa? A mamãe disse que você explica tão poesia essas coisas".

E de longe, do corredor, escuto a voz da Bea. Um eco delicado dos meus pensamentos. Suas pequenas mãos inocentes passeiam pelo fio do telefone e dão laços. Os pés, alvos, dançam rarefeito. O silêncio do pai sentado na cadeira que gira abre um mundo de lembranças afetuosas.

Que há-de ser

Essa flor é para você mamãe. E essa outra é para a bisa. (longa pausa)

Essa é para mim. Para quando eu crescer.

Mamãe, promete que você não esquece de me regar?