Thursday, May 17, 2007

Passeio Inventado

Essa é a história de uma menina que caiu na calçada.

"Ai, doeu", disse ela.

É também a história do seu sapatinho que desapareceu no ar e foi parar no canteiro. Aquele pequeno terreno cheio de verde.

"Poc, poc, poc", foi o barulho que fez.

A mãe da menina vendo que o sapato sumiu, parou a caminhada para buscar o sapatinho. A menina ficou quietinha, alí, esperando. Do outro lado da rua um menino passou correndo de patinete, e ela o imitou com as mãos e os pés. Movimentos arejados. No céu, nuvens brancas de suspiro flutuavam, e ela tentou alcançá-las dando pulinhos tímidos. No solo, formigas catavam pedaços miúdos de folhas e migalhas e levavam para as suas casinhas. Tudo isso a menina anotou na sua cuca de faz-de-conta.
Nada do sapatinho, a mãe estava tendo trabalho para encontrá-lo. E a menina torcia para ela não encontrar. Também torcia para ficar parada alí mais alguns instantes, observando as coisas que correm e que crescem corriqueiras com o tempo dentro da infância de cada um de nós. E então, eis que a mãe aparece sem nada nas mãos e com um sorriso de lado, franzido. Quase sentida e brava com o canteiro que levou o sapatinho da sua filha.
A menina não ligou, pelo menos não demonstrou, e foi caminhando devagar, manquitolando assim, um pé de cada vez. Sentiu as calçadas que eram ásperas e viu a meia cor de abóbora encher de sujeira e pedrinha como devia ser. Como deveria, sentiu a pata dos bichinhos em estado original. As das formigas, das joaninhas, e até as dos tatus-bolinha. O sol de celofane colorido esquentou a planta do pé, que vibrava, experimentando o novo tão diferente.